Sunday, October 29, 2006

Fui até lá e arrisquei alguma besteira em seu ouvido

Ela me olhou
e acariciou meu rosto

d
e
l
i
c
a
d
a
m
e
n
t
e

com um tapa.

Wednesday, October 11, 2006

Jantar romântico naquele restaurante muito bacana em que a gente foi da outra vez

- É porque você é ridículo. Não te acho feio (!). Você também não é um completo idiota (!!). Mas você é ridículo. Sinto muito.

Educadamente ela saiu e me deixou sozinho na mesa. O garçom, achando que ela tinha ido ao toalete, perguntou para mim se ela escolhera o que queria.

- Ela decidiu – respondi – ainda bem que ainda há gente sincera no mundo.

Breve pausa constrangedora.

- Ah, perdão. Eu vou querer esse risoto de frutos do mar, por favor.

Wednesday, October 04, 2006

Azul ígneo

pensar que separados por trenes y naciones
tú y yo teníamos que simplemente amarnos

(Pablo Neruda)


Afastamento. Arquipélago incendiado,
desarrumação do quarto, travesseiro (travessia),
eu. E as paredes silenciosas
a esconder cadernos nas gavetas.

Um vazio que me acompanha aceso.
Despejo as sílabas (tão musicais) baixinho,
às vezes só com o pensamento:
onde estaria o nome dela agora?

Telefone e internet são incapazes
de encurtar essa distância (sentimental).
Mãos e olhos não a alcançam.

Tudo que posso fazer hoje
é admirá-la em imaginações
- lua nova.

Sunday, October 01, 2006

Ajuste de contraste e nitidez

Júlio dorme com o abajur do quarto aceso. Não anda de elevador (sorte de ter o segundo andar do prédio). Andar sozinho na rua seria um pesadelo, mesmo em um domingo ensolarado. Seria um pesadelo, desses que ele teria se dormisse com o quarto escuro, as sombras se esticando com o movimento das luzes da cidade. E Júlio não sabe o porquê. Sim, ele se questiona. E teme não encontrar resposta nos seus meros quinze anos. Quinze? Já, todos também trazendo ansiedades e angústias terríveis de virar adulto.

Com quinze anos, seus colegas de classe já fazem uma porção de coisas de adulto. Na frente deles, Júlio se esconde atrás de palavras. Palavras-escudo – nós conhecemos por mentira. Os otimistas talvez chamassem criatividade. Aquele que os colegas conheciam era praticamente o heterônimo de Júlio. Entrava em um estado de pânico e libertava essas idéias que nem sabia de onde vinham, como se fosse instinto.

Não o notavam. Inventava o bastante para não parecer o esquisito da sala, mas o material era insuficiente para atrair atenção demais. Com atenção demais descobririam tudo. Que ele não mergulha no mar, não faz nada sozinho que não seja em casa. Não gosta da exposição da internet. E odeia a idéia de montanha-russa.

O pavor de ser desmascarado o empurrava para a criação. Ganhou certa prática com as semanas consecutivas de experiência, embora sem nunca se acostumar a ponto de sentir conforto, a ponto de acreditar em suas próprias estórias.

Até um descuido, que o fez escrever com pressa demais uma redação para a escola. A distração colocou idéias demais no texto. Sentiu a pulsação aumentar quando a professora o chamou ao fim da aula:
- Não sabia que você escrevia tão bem.

Pela primeira vez em muito tempo sua cabeça não conseguiu inventar uma razão para justificar o repentino dez na redação, ele que sempre teve notas médias. A professora sorriu e tudo que Júlio conseguiu dizer foi “obrigado”.

Passou a escrever-se menos ficção. Viu que todos diluíam a cor intrigante do medo. E aceitou que, por mais água que coloquemos, nunca será transparente.